Microcefalia em bebês tem ligação com vírus que leva a uma redução da atividade de enzimas associadas ao desenvolvimento de neurônios no embrião
Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) identificaram um mecanismo por trás do desenvolvimento do quadro de microcefalia em bebês cujas mães foram infectadas pelo vírus zika durante a gestação.
Em estudo com camundongos publicado na revista científica Journal of Neurochemistry, os cientistas observaram uma relação entre a contaminação e a menor atividade de uma enzima chamada Ndel1, importante para o desenvolvimento dos neurônios durante a fase embrionária.
Microcefalia em bebês
Os responsáveis pelo trabalho acreditam que a descoberta é um primeiro passo para desvendar completamente os impactos congênitos em fetos de gestantes infectadas. No futuro, afirmam que pode ser um biomarcador para diagnosticar precocemente o quadro de microcefalia em bebês, no caso, ainda no embrião.
De acordo com Mirian Hayashi, professora do Departamento de Farmacologia da Escola Paulista de Medicina da Unifesp e coordenadora da pesquisa à Agência Fapesp:
“Não temos bons biomarcadores para o diagnóstico precoce da síndrome congênita associada à infecção pelo zika. A descoberta dessa relação entre a atividade enzimática e o tamanho encefálico é só o começo do caminho, mas traz muitas esperanças. Atualmente, o diagnóstico se limita a medir o tamanho do cérebro por ultrassonografia ou tomografia. Ou então se baseia nas medidas imprecisas da circunferência do crânio após o nascimento, quando há poucas possibilidades de se reverter o quadro.”
Medicamento para esclerose múltipla
O estudo apontou ainda efeitos positivos do uso de um medicamento para esclerose múltipla, o interferon-beta, nos camundongos infectados. No experimento, o fármaco restabeleceu a atividade da enzima Ndel1 a níveis semelhantes aos de animais saudáveis e evitou problemas no desenvolvimento dos neurônios.
Síndrome da Zika Congênita
Por sua vez, um trabalho publicado no final do ano passado por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz e de outras 25 instituições brasileiras que fazem parte do Consórcio Brasileiro de Coortes relacionadas ao vírus zika (ZBC Consortium), cerca de um terço dos filhos de gestantes que contraíram a doença durante a gravidez apresentam anormalidades congênitas nos primeiros anos de vida, que caracterizam a Síndrome da Zika Congênita (SZC).
Neste caso, os cientistas analisaram 13 estudos sobre o tema conduzidos com base na epidemia de zika no Brasil, entre 2015 e 2017, que abrangeram todas as regiões do país afetadas. A microcefalia, malformação que leva o cérebro do bebê a não se desenvolver da forma adequada, foi identificada em uma a cada 25 crianças. Outras manifestações da síndrome foram deficiências neurológicas funcionais, anormalidades de neuroimagem e alterações auditivas e visuais.
No novo estudo, os responsáveis explicam que a enzima Ndel1 vem sendo alvo de diversos trabalhos por causa de seu papel no desenvolvimento neurológico no geral. Sendo assim, decidiram investigar a possibilidade de uma relação entre esses quadros que formam a SZC e a atividade da Ndel1. “Essa é uma enzima de grande interação com proteínas importantes e a diminuição de sua atividade pode alterar dinâmicas moleculares importantes”, diz João Nani, coautor da pesquisa.
Formação de partes do neurônio
Além disso, ela também é relacionada à formação de partes do neurônio e na proliferação, diferenciação e migração das células nervosas durante a embriogênese, ou seja, processos cruciais para a formação do cérebro. A enzima inclusive já foi associada à microcefalia antes.
Por fim, trabalhos anteriores mostraram que mutações no gene que expressa uma proteína semelhante, a NDE1, levaram a casos graves da doença. Outros experimentos com animais revelaram que inativar essa proteína, ou a enzima Ndel1, de fato inibe a migração dos neurônios no início da formação do embrião.
*Foto: Reprodução/br.freepik.com/fotos-gratis/mosquito_4108060