Instinto materno pode ser um conceito teórico escrito por homens religiosos, o que perpetuaria uma visão moral da maternidade e da feminilidade
Desde que o mundo é mundo a figura materna é muito mais forte que a figura paterna. Portanto, cria-se uma crença de que o conhecimento e o amor que criança necessita se pauta na viologia feminina. Neste artigo, entenda se o instino materno existe de fato ou se foi uma criação do homem.
Instinto materno
De acordo com a jornalista norte-americana Chelsea Conaboy, mãe de dois meninos, de 6 e 8 anos, o instinto materno não tem nada de científico. Ela afirma isso após ter contato com diversos estudos e entrevistar dezenas de mães e cientistas.
Além disso, o conceito pode estar associado a uma ideia reconfortante. Em suma, se as mulheres já nascem com toda a habilidade e todo o amor necessários para cuidar de uma criança, não é necessário de preocupar. Ou seja, engravide que a mágica ocorre imediatamente, uma vez que seria bem conveniente para o restante da sociedade, a ideia de ninguém estar apto a criar uma criança tão bem quanto a própria mãe, e sozinha. No entanto, a realidade é bem mais complexa.
Mother Brain: How Neuroscience is Rewriting the Story of Parenthood
A jornalista aborda o instinto materno em seu livro Mother Brain: How Neuroscience is Rewriting the Story of Parenthood (em tradução livre: Cérebro de mãe: como a neurociência está reescrevendo a história da parentalidade).
Trata-se de um conceito teórico escrito por homens religiosos, o que perpetuaria uma visão moral da maternidade e da feminilidade. E isso foi levado adiante, de geração em geração, uma vez que remete a mudanças em nós mesmas e em outras pessoas que passam por esta experiência, admite a autora em entrevista à revista CRESCER.
Conceito não existe
Já para a psicóloga perinatal Rafaela Schiavo, CEO do Instinto MaterOnline, o instinto materno não existe. Isso porque ele nunca foi instintivo no ser humano. Ao menos até o século 15 não havia a ideia do amor materno. Em suma, as mulheres engravidavam e pariam, algumas cuidavam de seus descendentes. Mas, outras entregavam a criança para uma ama de leite cuidar. Por fim, outras cometiam o infanticídio e outras simplesmente abandonavam a criança.
Apenas após o século 16, diante da necessidade de se criar na população uma cultura de cuidado com os descendentes, que surgiu a história do amor materno, difundida pela igreja. Muitas crianças morriam facilmente por falta de saneamento básico, higiene, desidratação, entre outros. Portanto, era preciso ter mão de obra, surgindo assim, a necessidade de estimular as mulheres a cuidarem e amamentarem os filhos.
Mas apenas as mulheres sabem cuidar de uma criança?
Apesar das influências biológicas, com diversos hormônios que atuam em conjunto para preparar o corpo feminino para a gestação, o parto, a amamentação e o vínculo com o recém-nascido, isso não ocorre somente com quem gesta.
Estudos revelam que isso vai além do binômio mãe-bebê, e os cientistas estão descobrindo que todas as pesssoas que cuidam de uma criança podem sofrer alterações cerebrais, a ponto de tornar o órgão mais plástico e responsivo. Sejam elas mães e pais biológicos ou adotivos, mães não gestantes (de casais homoafetivos) ou pais e mães transgênero.
Pais e cuidadores
Um estudo de 2022, da Universidade de Saint-Étienne (França), revela que pais e cuidadores aprender a identificar a dor por trás do choro com a prática. Os pesquisadores concluíram isso ao recrutarem pessoas com níveis variados de contato com bebês, como pais de crianças com mais de 5 anos e de até 2 anos, além de participantes sem nenhuma familiaridade e cuidadores profissionais com pouca e muita experiência. Para isso, receberam um treinamento de oito dias, no qual ouviam áudios do choro de um mesmo bebê em situações distintas (banho, vacinação etc.), para que se familiarizassem com o pequeno. Paralelamente, em menor escala, ouviam, ainda, áudios do choro de um bebê desconhecido. Ao final, a taxa de acerto daqueles que não eram pais foi de 50%. Enquanto isso, a dos pais de crianças de até 5 anos, 65%. Já entre os cuidadores chegou a 71,1% e, entre os pais de crianças de até 2 anos, 71,2%. Em relação ao choro dos bebês desconhecidos, quem se saiu melhor na prova também foram os pais de crianças pequenas.
Conclusão
Portanto, ao negar o instinto materno, de modo algum reduz o poder das mães. Ao contrário, uma vez que a ciência revela que não se trata de uma habilidade natural, mas de uma força resultante de um difícil processo de adaptação cognitiva e social, que possibilita a conexão entre pais e filhos, e uns com os outros. Tudo isso colabora para o surgimento de novas famílias com o devido suporte.
Fonte: Foto de Drazen Zigic na Freepik