Os 68 bebês receberam anticorpos de suas mamães via placenta
Recentemente, uma pesquisa brasileira apresentou que 68 bebês receberam anticorpos de suas mães ainda na fase de gestação. De acordo com os resultados preliminares, realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a maioria das mamães que se infectaram pela Covid-19 na gravidez passou anticorpos aos bebês via transferência placentária.
68 bebês receberam anticorpos – teste do pezinho
O estudo em que 68 bebês receberam anticorpos é inédito no país. Ele utilizou o teste do pezinho além de testagem das mães para identificar a infecção e vai acompanhar repercussões no desenvolvimento infantil dos recém-nascidos soropositivos.
Por enquanto, a pesquisa que conta com a parceria do Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad), da Secretaria Estadual de Saúde (SES-MG) e da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), testou 506 mães e bebês. A assessoria da UFO afirma que “foram identificados 68 casos de transferência de anticorpos IgG da mãe para o filho”.
Objetivo
Já o objetivo é atingir 4.000 mães testadas. Os casos positivos serão acompanhados por dois anos, período em que se observará se a infecção durante a gestação trouxe consequências ao desenvolvimento das crianças.
Um grupo de controle, com mães e bebês com resultados negativos, também será acompanhado para avaliar a duração da imunidade adquirida pelo feto durante a gestação.
Tempo de acompanhamento das crianças
Em relação ao ineditismo do estudo diz respeito ao tempo de acompanhamento das crianças. Segundo a professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, Cláudia Lindgren:
“A experiência da infecção pelo Sars-CoV-2 nos adultos, nos mostra uma grande afinidade do vírus pelo sistema nervoso central e levanta a preocupação de que ele também possa afetar o feto. Mesmo que o bebê tenha nascido bem, sem sintomas da doença, o comprometimento do desenvolvimento pode surgir mais tarde, por exemplo, quando a criança começar a falar ou andar. Não temos estudos sobre isto ainda.”
Cidades participantes
O estudo conta com a participação de cinco cidades mineiras: Uberlândia, Contagem, Itabirito, Ipatinga e Nova Lima. Estes municípios foram escolhidos por causa de sua taxa de prevalência da Covid-19, do número de nascimentos por mês e ainda pela existência de rede de apoio para eventual necessidade de reabilitação das crianças com alterações nos testes de neurodesenvolvimento.
Além disso, os pesquisadores acreditam que os resultados podem dar respostas sobre uma futura vacinação de bebês. Mas Cláudia Lindgren pondera:
“A confirmação da passagem de anticorpos da mãe para o bebê durante a gravidez pode ajudar a planejar o momento ideal para vacinação dos bebês contra a covid. Em outras infecções, como no sarampo, por exemplo, já se sabe que os anticorpos maternos reduzem a eficácia da vacina contra sarampo e, por isso, ela é feita mais tardiamente.”
Pacientes assintomáticos
A proporção de assintomáticos chamou a atenção dos pesquisadores. Neste caso, em Minas Gerais, o número chegou a 40%.
“Outros estudos já mostraram a presença de anticorpos no bebê, mas a maioria deles investigou a transferência de anticorpos após as manifestações da covid na mãe. Nesta pesquisa, estamos testando todas as mães e bebês, independente de elas terem apresentado qualquer sintoma da doença durante a gravidez, porque sabemos que cerca de 80% das infecções são assintomáticas”,
A professora citou a zika, rubéola e HIV como vírus que permanecem “ocultos” no organismo por bastante tempo.
“Temos a hipótese que, à semelhança de outras infecções virais durante a gravidez, o Sars-Cov-2 pode trazer repercussão futura.”
Nenhuma das mães participantes da pesquisa havia sido vacinada para Covid-19.
Teste do pezinho
O estudo usa a rede de coleta da triagem neonatal (teste do pezinho). Portanto, a mesma gota de sangue no papel filtro coletada para a triagem neonatal também foi usada na pesquisa. Desta maneira, os bebês não passam por nenhum procedimento diferente do habitual.
Entretanto, há a novidade de testagem das mães, via punção digital (assim como o exame de glicose). Elas são convidadas a participar do estudo nos postos de saúde, no momento do teste do pezinho de seus filhos.
Em decorrência da coleta de sangue ser feita na primeira semana após o parto, a imunidade observada foi adquirida necessariamente durante a gestação. Isso porque o IgG demora ao menos 15 dias após a infecção para testar positivo.
68 bebês receberam anticorpos – opinião do especialista
Segundo o pediatra e infectologista Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), não é novidade as gestantes que se infectaram passarem anticorpos aos bebês:
“Desde as primeiras grávidas que se contaminaram, sabemos que os anticorpos produzidos por elas, ao venceram a infecção, são transmitidos para os bebês. Isso acontece com todas as doenças: sarampo, catapora, hepatite… Mesmo antes da gravidez, estes anticorpos presentes no sangue da mãe, atravessam a barreira placentária e atingem o bebê. Então, não é uma novidade. Isso ocorre em formas assintomáticas, leves e graves. Inclusive é o motivo pelo qual damos algumas vacinas nas crianças somentes após 1 ano de idade, pois os anticorpos transmitidos pelas mães na gravidez podem interferir na resposta à vacinação.”
Mães que já se vacinaram
Agora, o principal desafio do estudo para Kfouri é descobri se o mesmo ocorre com as mães que já se vacinaram e se, de fato, esses anticorpos protegem os bebês, finalizou.
“O que vem sendo mais estudo é em relação à vacina, se as mães vacinadas também transferem seus anticorpos produzidos pelo estímulo da vacina. O que não se sabe também, até agora, é se esses anticorpos realmente protegem. O fato de eles estarem lá não significa na prática, clinicamente, que essas crianças estão protegidas. E se estiverem, por quanto tempo dura essa proteção. Esses anticorpos não são da criança, não produzidos por ela, são transmitidos passivamente, da mãe para o bebê, então, têm uma vida ‘média’. Então, quanto tempo eles ficam presentes, a concentração dele e a proteção que oferecem ainda precisamos descobrir.”
*Foto: Divulgação/Depositphotos