Burnout materno é um pedido de socorro e, ao mesmo tempo, uma pausa para descansar
Mais do que nunca, as mulheres querem ser ouvidas e respeitadas. Apesar dos avanços nos últimos anos, em relação às conquistas femininas, como entrar no mercado de trabalho, somam-se ainda as tarefas centenárias e tradicionalmente femininas, ou seja, cuidar dos filhos.
Além disso, com a era digital, o público feminino é visto como uma Mulher Maravilha. Neste caso, o burnout que ocorre nas mulheres, muitas vezes, atinge o que elas têm de mais importante: a maternidade. Em suma, é um pedido de socorro e, ao mesmo tempo, uma pausa para apenas poder descansar.
Segundo a enfermeira do SUS, Nathalia Belletato, “a implementação de políticas de saúde que abordem o bem-estar emocional das gestantes é fundamental”.
De acordo com Vera Iaconelli, doutora pela USP e diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, no programa “O Assunto”, da jornalista Natuza Nery, ela explicou o cansaço que as mães sentem. A mãe esgotada, que chora à noite de solidão, de cansaço, desconectada da sua realidade, sentindo-se explorada, sem energia para os filhos, o trabalho, a casa, os cuidados com a sua saúde, a vida social. Vera é autora do livro recém-lançado Manifesto Antimaternalista – Psicanálise e Políticas da Reprodução, onde ela conta a sua experiência de anos com consultório onde as mulheres iam pedir socorro.
Burnout materno
Além disso, o papel de cuidadora sempre atribuído à figura feminina não é reconhecido pela sociedade. Ou seja, não dispensa essa mulher da exigência de ser, também, bem-sucedida e produtiva fora de casa. O resultado é o que se chama de burnout materno, como explica Vera Iaconelli.
“As mulheres estão adoecendo muito mais porque elas estão acumulando mais funções, mesmo quando elas conseguem dividir as funções com os homens, elas se sentem mais responsáveis do que os pais, então elas estão sobrecarregadas porque, com a entrada da dimensão virtual, além do trabalho, elas têm que estar sempre com uma aparência jovem, porque a internet marca este lugar de que as pessoas estão sempre felizes, se divertindo, fazendo coisas bacanas, o que não é verdade, porque a internet é toda editada, a gente só coloca ali os melhores momentos, o que também afeta as expectativas, e a internet também traz muitos discursos do que é ser uma boa mãe, do que você deveria fazer, do que você poderia oferecer para o seu filho, tem aí uma ideia de performance da maternidade, que sobrecarrega as mulheres. A partir da clínica e dos depoimentos das redes sociais, a gente vê que tem uma mentalidade que oprime as mulheres como mãe.”
Mulher como vítima de um discurso
Hoje, a mulher é vítima de um discurso, de um modelo e da incapacidade de também colocar limites numa vida moldada por um paternalismo que ignora as reais necessidades, tanto das mulheres, quanto dos próprios homens, ressalta a especialista. Quando a mulher adoece, e ela adoece severamente, quem vai cuidar desses filhos, da família, da casa, da comida e da rotina? Vera Iaconelli diz que um dos efeitos é a depressão e que engloba também a ansiedade, uma vez que é atribuído à mulher um nome: o maternalismo. Ela explica como esse processo se agrava nas redes sociais.
“As maternidades são muitas ao longo da história e da cultura, ser mãe em 1900 na Índia é diferente de ser mãe em 2023 no Brasil. A forma como se vive é atravessada por um discurso maternalista, que responsabiliza as mulheres, como se o Estado, as empresas, os pais, não tivessem a mesma responsabilidade que tem a mulher. A expectativa sobre a maternidade da mulher é assustadora é impossível de ser conciliada com a vida que ela leva hoje.”
Partindo do princípio, que atualmente temos 51% dos lares chefiados por mulheres, e a boa parte deles só mantidos por mulheres, vemos também o cenário de violência doméstica. Como ficam todas essas pessoas que dependem das mulheres, como as crianças? E há também as mulheres que vão cuidar das famílias mais abastadas e deixam seus filhos desassistidos. Como isso pode ser enfrentado? Para Vera, a internet pode ser uma ferramenta de libertação da mulher do século 21, ou ela perpetua essa opressão sobre papéis sociais cuja performance é impossível de ser atingida, levando ao esgotamento físico, mental e emocional?
“A internet tem esse poder catalizador, o que é ruim, isso é aumentado. E no caso das mulheres, nos estudos com meninas, a gente vê que elas adoecem mais, têm problemas de depressão e ansiedade, em função da imagem, a mulher é muito capturada pela imagem e a internet trabalha com isso o tempo todo, é sempre uma questão de se ver e ser visto, e no caso das mães, os modelos de maternidade, as cobranças, elas se potencializaram com essa ferramenta.”
Conclusão
Atribuir à mulher a responsabilidade por dizer não para essas responsabilidades, como deixar de ter filhos, por exemplo? Isso é egoísmo? É uma sociedade muito individualista?
Por fim, para Vera, talvez, o grande ensinamento do Dia Internacional da Mulher, “o Estado tem o papel de promover a cultura do cuidado como uma cultura de todos, e não apenas um fardo feminino, uma espécie de condenação do destino só pelo fato de sermos mulheres”. Vera ainda ressalta que esse é o papel do Estado e nós estamos falando isso porque esta é uma rádio pública. Ou seja, mais creches, mais escolas, mais apoio para mães que precisam cuidar e amamentar, leis trabalhistas que levem em consideração a esses papéis. Mas a solução não vai estar no plano micro, da pessoa. A solução está em repensar estruturalmente a sociedade, com políticas públicas de longa duração e largo alcance, e orçamentos significativos. É preciso discutir os direitos das mulheres, direitos das mães e novas políticas para trabalhar o dever de cuidado como uma responsabilidade de todos.
*Foto: Reprodução/https://br.freepik.com/fotos-gratis/mulher-com-tiro-medio-e-dor-de-cabeca_16128607.htm#fromView=search&page=1&position=16&uuid=8db65568-9831-40ec-916f-4e568eba7b90