A violência obstétrica inclui xingamentos a gestantes, humilhações, além de veto a acompanhantes no parto
Os casos crescem pelo Brasil, porém, há leis que garantem direitos às gestantes. Recentemente, com o caso do anestesista que estuprou uma mulher durante o parto, no Rio de Janeiro, trouxe à tona a discussão sobre violência obstétrica e direitos das mulheres durante a gestação. Apesar de chocantes, tais casos são mais corriqueiros do que imaginamos e em várias partes do Brasil.
Violência obstétrica
Em uma das denúncias contra o anestesista, o marido de uma mulher disse ter sido retirado do centro cirúrgico pelo agressor. Porém, um acompanhante durante todo o parto é um direito da gestante, previsto em lei desde 2005 (saiba mais abaixo como fazer denúncias).
Por outro lado, ser proibida de ter um acompanhante durante todo o parto é uma das principais causas de violência obstétrica sofrida por muitas mulheres. É o caso da dona de casa Renata Maria de Andrade, no parto da filha mais nova, Rayra, há seis anos.
Rayra nasceu com microcefalia e, por isso, não consegue andar. Sendo assim, a relação de mãe e filha começou com a tensão de um parto cheio de violações de direitos. Foram mais de sete horas sentindo muita dor, esperando pelo médico para fazer a cesárea. Quando ele chegou, disparou palavras humilhantes à gestante, além da falta de empatia, afirma Renata.
“Ele apenas se virou e disse ‘ah, você aguenta, ainda, ter bastante dor. Quando foi para fazer você não teve medo, não sentiu dor. Então, você vai ter que aguentar, que esperar aí’. Tinha outra moça, ia ser a vez dela e ela cedeu, porque eu não estava mais aguentando. Entrei na sala com o profissional e a enfermeira. Eles caçoavam, falavam piadas de mal gosto. Diziam que as mulheres de hoje são muito fracas, não conseguem mais ter filhos.”
Ela precisou passar por isso tudo sozinha, pois o hospital não permitiu a entrada de acompanhante.
“Quando ela nasceu, não queria muito ficar com o bebê. Eu fiquei tão triste com o atendimento que recebi, com as palavras, que hesitei um pouco para pegar ela. Eu estava abatida.”
Indução ao parto normal
Já o caso da trabalhadora autônoma Daniella Nunes Pinto, a situação se complicou mais. Em 2006, com sete meses de gestação, ela sofreu demais para ter seu único filho, Joaquim.
Simplesmente, ela ficou de uma sexta-feira até o domingo sentindo fortes dores e sendo medicada para induzir o parto normal. O sofrimento só chegou ao fim após muita confusão.
“Minha mãe chamou o médico, foi grossa com ele, pegou na roupa dele, e disse ‘olha, coloque minha filha aí, ou então vou chamar a polícia’. Foi quando eles me colocaram lá. Até então, toda vez que eu era medicada, que estava em observação, ninguém podia entrar.”
Hoje ela consegue falar da própria história para evitar que outras mulheres passem pelo mesmo tipo de violência obstétrica.
“Isso tem que ser exposto, tem que ser divulgado. Tem que ter uma posição de políticas públicas de violência obstétrica. Isso é muito sério.”
Violência obstétrica e direitos
De acorod com a gerente geral de Atenção Integral à Saúde do Recife, Érika Siqueira, há muitas situações que podem ser consideradas violência obstétrica. Além disso, ela explica que isso inclui todo tipo de violação de direitos durante a gravidez, o parto e o puerpério. E também violências psicológica, verbal e física.
“Uma das frases mais comuns é ‘você gostou de fazer, agora tem que sentir dor’. São inúmeras violências a que as mulheres são submetidas. Durante o trabalho de parto, é muito comum toques vaginais desnecessários; aquele corte que se dá na vagina, chamado episiotomia. São violências que as mulheres às vezes pensam que são procedimentos.”
Direito ao acompanhante
Em relação ao direito ao acompanhante, Érika reforça que a lei que garante a presença de uma pessoa com a gestante na sala de parto é federal e em vigor desde 2005. Ela ressaltou ainda a importância de estar com o acompanhante neste momento.
Todavia, se o acompanhante perceber a violação de direito, ele deve intervir diretamente com a equipe. Em seguida, deve-se recorrer à direção da unidade de saúde. No caso de hospitais particulares, há ouvidorias. Na rede pública, há a Ouvidoria do Sistema Único de Saúde (SUS). O atendimento pode ser feito pela internet e pelo telefone 136, o Disque Saúde. O atendimento pelo telefone é das 8h às 20h, de segunda a sexta, e das 8h às 18h, aos sábados. A profissional ainda complementou:
“Pode ser o pai da criança, sua mãe, uma irmã. É isso que dá o fortalecimento para a mulher na hora do parto. O parto é um evento familiar. Então, é superimportante ela estar com acompanhante, e, aqui em Pernambuco, temos uma lei estadual e outra municipal que garante a presença também da doula.”
Por fim, a doula é a profissional que oferece apoio físico, informacional e emocional à mulher. E principalmente no momento do parto. Mas, também durante a gestação, e nas primeiras semanas após o nascimento do bebê.
*Foto: Depositphotos